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Sobre ser indiferente

Atualizado: 1 de jul. de 2020

O que é ser indiferente? É possível que alguém se comporte com ABSOLUTA indiferença?

A indiferença, geralmente, é tratada no dia-a-dia como um tipo de comportamento que exterioriza apatia ou falta de interesse por algo ou alguém. Parece ser a atitude escolhida quando se quer demonstrar que algo não tem valor.

Dizem que oferecer a alguém uma postura de indiferença é pior do que oferecer uma postura de ódio, pois no ódio está subentendido o valor de uma pessoa, ou seja, seu poder de provocar uma forte reação negativa, mas na indiferença está subentendida sua completa falta de valor.

Em outras palavras, a indiferença é o gesto que diz, na prática, que algo ou alguém "não vale nada". Mas será isso verdade?


O que é indiferença?

Determinar significados e conceitos não é tarefa fácil, ainda mais se tratando de entes abstratos. Uma rápida consulta ao google nos leva a alguns dicionários virtuais. Selecionei o dicio e o priberam, para indicar os possíveis significados de indiferença. Dentre os significados apontados pelo dico.com.br estão:

  • capacidade de quem se mantém tranquilo, não demonstrando preocupações;

  • ausência de interesse, falta de consideração;

  • condição de quem não se deixa influenciar pelos sentimentos.

Já o dionario.priberam.org revela entre eles:

  • falta de interesse ou de atenção em relação a alguém - descaso, desinteresse, negligência;

  • ausência de interesse ou de resposta a um estímulo - apatia, ataraxia;

  • sentimento de superioridade arrogante em relação a alguém - desconsideração, desdém, desprezo, menosprezo.

Embora aqui não sejam apresentados todos os significados atribuídos à palavra, vamos analisar três conjuntos principais que abarcam sentidos distintos: apatia, ausência de interesse ou descaso e sentimento de superioridade.


Indiferença como apatia

A apatia pode ser considerada como condição de insensibilidade ou incapacidade de se comover com algo. Talvez, esta forma deva ser reputada como a indiferença na sua concepção mais pura, visto que não envolve esforço do sujeito que a exerce. A condição de um determinado objeto para o sujeito que se mantém apático em relação a ele, é a de não oferecer nenhum valor ou característica que seja capaz de provocar uma reação no sujeito que o percebe. O objeto pode até ser notado, mas não causa oscilação no sujeito que o nota. Este, não reflete sobre o valor do objeto, não se perturba diante dele - apenas o ignora. Não há sentimento de espanto ou desdém, de atração ou repulsa, de prazer ou desprazer diante da experiência sensorial causada pelo objeto. Este, é completamente inócuo aos sentimentos e pensamentos da pessoa que o percebe.


Seguindo o rastro desse primeiro sentido seria possível dizer que toda tentativa de ser indiferente já é por si só um desvio da essência de ser indiferente. Pois, todo esforço intencionado já não é mais indiferença, é já o efeito de uma interpelação externa. Todo esforço programado é já o indício de alguma reação. E se há reação, neste sentido, não há indiferença. Pode-se concluir, neste contexto, que só é capaz de perceber a indiferença quem observa o indiferente. O indiferente nunca estaria ciente da sua indiferença neste primeiro sentido abordado. Em se tratando dos sentimentos e da situação de outros seres humanos, um indivíduo nessa circunstância teria que ser amoral para ser indiferente - alguém capaz de abandonar toda a moralidade e todo o senso de certo e errado.


"Tô nem aí" - indiferença como ausência de interesse ou descaso

O famoso dizer popular "tô nem aí" expressa bem a indiferença como falta de interesse. Embora a expressão possa ser usada no último sentido, o do sentimento de superioridade, ela ilustra com clareza a postura verbalizada de alguém que está tentando demonstrar desinteresse por algo, alguém ou por alguma determinada situação.


A indiferença aqui é algo "menos acidental" ou "menos inconsciente" que no primeiro caso e passa ser uma prática do sujeito. Ele percebe determinada circunstância ou objeto, mas forja um comportamento de distanciamento ou falta de interesse. Entretanto, o desinteresse pode estar relacionado à falta de afinidade. Ainda assim, essa falta de afinidade já é sinal de alguma reflexão sobre o objeto, e portanto, ao remeter à sentimentos como repulsa e rejeição, já denota oscilação no sujeito. Essa situação é algo que não é observado no primeiro sentido abordado acima. O que se descreveu agora, seria o sentido mais passivo desse segundo sentido de indiferença, quando o sujeito se faz recipiente das impressões que o levaram a se distanciar do objeto ou contorná-lo. Mas há um sentido mais ativo.


No sentido mais ativo desse segundo aspecto, temos um tipo de atitude que não se enquadra muito bem na ideia de indiferença, mas talvez esteja mais vinculada à noção de vingança ou de apelo à inércia. Entretanto, como muitas pessoas utilizam o termo indiferença para camuflar esse tipo distinto de postura, é bom discorrer a respeito. Certa vez ouvi de alguém que a atitude mais certa para lidar com uma determinada pessoa era "fingir que ela não existia". Em outras palavras, ignorá-la ou se comportar com indiferença em relação à ela. Em outra ocasião, um amigo, revoltado com a situação política do Brasil, disse que, a partir de então, o que ele poderia fazer de melhor seria alimentar um "sentimento de profunda indiferença" em relação a tudo o que estava acontecendo. É também comum observar casais de namorados que depois de terem algum desentendimento, forjam um comportamento de despreocupação em relação ao outro e ao que aconteceu, para "darem uma lição" no parceiro ou chamar-lhe a atenção.


Em todos os exemplos citados acima, o que se tem é uma decisão por um tipo de comportamento. Tal decisão é procedente de uma reação provocada por um determinado estímulo. Como a decisão por um comportamento, neste contexto, é um efeito, e o empenho por se comportar da forma como se escolheu, é um esforço, logo, já não há indiferença, mas uma prática reativa. Em todas elas há um trabalho para reagir originado por um estímulo em específico. No primeiro exemplo haveria um esforço para ignorar uma pessoa, no segundo caso uma espécie de apelo à inércia e no terceiro caso, talvez, uma espécie de vingança ou uma estratégia para chamar atenção.


Alguém com este tipo de indiferença diante de um ser humano que passa por necessidades físicas ou por uma situação de lamento, precisa ser imoral para seguir com sua indiferença, ou seja, alguém que sabe o que é certo ou errado, mas prefere ignorar o que sabe.


Indiferença como sentimento de superioridade

E por último, há a indiferença como sentimento de superioridade, algo que é comum de se observar. A pessoa reage com desdém, desprezo, menosprezo ou descaso para provar sua superioridade ou para fazer o outro se sentir inferior. Ou então, encara uma circunstância como se estivesse acima dela. Ignora uma pessoa ou sua situação, com um intuito consciente ou inconsciente de reclamar que não está no mesmo patamar. Este não é o tipo mais puro de indiferença, pois vem mesclado com conotações de orgulho e vaidade e envolve certa reflexão e oscilação diante do objeto ou circunstância percebida.


Pode-se praticar a indiferença?

No primeiro caso, o da apatia, seria uma prática inconsciente. Somente um observador seria capaz de detectar a postura indiferente do "praticante", já que a percepção do objeto não lhe faz sequer "cócegas" no consciente. É esse tipo de indiferença, talvez, mais puro, que atribui, mesmo que inconscientemente, um valor nulo ao objeto para o qual sua indiferença aponta. Para este, o objeto de sua indiferença é realmente "sem valor".


Já o segundo tipo, seja na sua versão passiva ou ativa, temos uma espécie de prática, já que há percepção e determinado nível de reflexão sobre o objeto, ou seja, há reação. O mesmo para o terceiro tipo de indiferença abordado. Em todos estes, há valor no objeto para o sujeito, valor este que, seja positivo ou negativo, gerou algum tipo de resposta, seja a mera noção de repulsa ou a prática deliberada dela.


Concluindo

Pode-se dizer que muito do que se vê em nossa sociedade em relação à falta de empatia para com os problemas sociais é, na verdade, uma indiferença do segundo ou do terceiro tipo, ou talvez, até mesmo uma pseudo-indiferença. Nela o indivíduo está consciente do valor do outro, mas prefere contorná-lo ou se vê em um patamar superior. Ou seja, atua de certa forma com imoralidade perante uma situação em que poderia contribuir para melhorar. É claro que, este tipo de atitude está sendo explicada em dimensões generalizadas, e somente a especificidade do indivíduo e da situação em que atua, seriam definitivas para avaliar seu comportamento como indiferente ou não. É bastante improvável dizer se há condições de se comportar com absoluta indiferença "em relação a". Há de se dizer que também existe a boa indiferença. Mas isso já é assunto para outro artigo.

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